Agressão sexual contra crianças e adolescentes é um dos crimes mais freqüentes, o que exige tratamento
– Regina, eu preciso muito falar com você.
– É sobre o seu exame criminológico?
– Também. É sobre várias coisas, muitas coisas.
– Vamos combinar, Lucivaldo, vou atender você.
– Mas precisa ser hoje. Pode ser agora?
– À tarde eu desço.
O diálogo transcorreu em menos de um minuto, às 11 horas da última quinta-feira. Preso na Penitenciária Odenir Guimarães (POG) pela segunda vez por atentado violento ao pudor, Lucivaldo Donizete Freitas Souza, de 36 anos, aproveitou a presença da coordenadora de Psicologia da POG, Regina Magna Fonseca, para pedir socorro. A conversa, a princípio, não revelava o nível de seu desespero. Fez sentido duas horas depois.
Lucivaldo foi assassinado por colegas de cela no mesmo dia. Eles o ameaçaram momentos antes do encontro com Regina em outra sala da POG: “Não volta aqui que você vai morrer.” O detento saiu da cela, passou pelo atendimento psicológico a agressores sexuais e depois cruzou o pátio da penitenciária rumo à sala onde estavam o repórter do POPULAR e a psicóloga Regina. Fez o pedido à coordenadora, concedeu entrevista ao jornal, posou de costas para as fotos e voltou para a cela onde os outros detentos confirmariam a intolerância a quem abusa sexualmente de crianças e adolescentes. Naquela quinta-feira, Lucivaldo foi enforcado com uma corda feita de roupas e lençóis.
O que Lucivaldo repetiu a psicólogos e psiquiatras por pelo menos dez anos e as palavras ditas ao repórter duas horas antes de ser assassinado são insuficientes para compor o que foram a mente e a vida do ex-professor de caratê, um mosaico de situações absurdas que culminavam na violência sexual. Lucivaldo abusou de dois adolescentes de 13 anos, em 1995 e em 2000. Por isso, permanecia trancafiado na POG, numa cela especial em razão das ameaças dos outros detentos.
O desejo por crianças e adolescentes, a incontinência dos impulsos sexuais e a concretização de um dos crimes com maior reincidência colocam os agressores sexuais na marginalidade extrema.
No sistema carcerário, nenhum crime representa tanto risco de morte ao criminoso quanto o abuso sexual. Se as vítimas são meninos e meninas, há uma sentença de morte clara em diferentes alas da POG. Não há crime menos notificado, nem mais silencioso.
A concretização do desejo – rejeitado veementemente depois e seguido de uma íntima promessa de não-reincidência – envolve pais, padrastos, avôs, tios ou desconhecidos. O abuso sexual é a principal agressão sofrida por meninos e meninas que são atendidos na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Por que eles são tão agredidos?
O POPULAR buscou respostas para as motivações do agressor sexual e, para isso, acompanhou um projeto pioneiro desenvolvido por uma equipe da Universidade Católica de Goiás (UCG). O Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil tem ações voltadas ao combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Uma das ações foca o agressor e o que se passa em sua mente. A infância do criminoso – os relatos de Lucivaldo impressionam pela persistência da violência, desde criança –, as compulsões manifestadas e as relações de hostilidade e desrespeito são esmiuçadas no atendimento psicológico, numa tentativa de evitar a reincidência no abuso quando o agressor deixar a prisão. Se deixar.
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